PETRÓLEO- Após leiloar pré-sal, Dilma tenta negar privatização que prometeu jamais fazer

Em 2010, Dilma e PT disseram que privatizar o pré-sal seria um "crime"; petroleiros em greve afirmam que presidente tenta mascarar realidade ao negar privatização Ao privatizar o Campo de Libra, maior descoberta de petróleo da história do país, a presidente Dilma Rousseff e o PT descumpriram promessa feita na campanha eleitoral de 2013. Na noite de segunda-feira (21), cerca de quatro horas após o leilão sem disputa que teve lance de um só consórcio, Dilma usou a cadeia nacional de radio e TV para dizer que a transferência de 60% da exploração dessa reserva localizada no pré-sal da Bacia de Santos para duas multinacionais europeias e duas chinesas não era privatização. O discurso na TV mirou dois públicos: o povo brasileiro em geral - que, sabe-se, majoritariamente é contra a privatização; e certos setores da militância do PT e da CUT, constrangidos e/ou contrariados com a privatização de um símbolo, já apontada como a maior da história do país, e ainda mais com o inédito uso do Exército, da Marinha e da Força de Segurança Nacional, todas elas tropas sob comando máximo da Presidência da República. Para complicar o cenário, numa ação bélica que lançou dezenas de bombas de gás lacrimogêneo sobre petroleiros em greve, a mesma categoria contra a qual, em 1995, o então presidente tucano Fernando Henrique Cardoso pôs o Exército para reprimir outra paralisação. Nas contas do Planalto, 85% do pré-sal ficam com o governo federal. "O modelo de partilha que nós construímos significa também uma nova conquista para o Brasil. Com ele, estamos defendendo um equilíbrio justo entre os interesses do Estado brasileiro e os lucros da Petrobras e das empresas parceiras. Trata-se de uma parceria onde todos sairão ganhando", disse a presidente. Dilma tenta convencer que o regime de partilha, no qual o consórcio vencedor pagará à União 41% do petróleo extraído (após o desconto dos custos de produção), não é privatização. O contorcionismo, porém, gerou muitas críticas. 'Contas mal contadas' Defender a privatização não é novidade - é algo que setores políticos conservadores, fora de períodos eleitorais, fazem abertamente. Não é fácil, porém, plantar a ideia de que a transferência de 60% da maior reserva de petróleo do país para a Shell (inglesa/holandesa), Total (francesa) e duas empresas chinesas não seja privatizar. "Tem alguma coisa errada neste cálculo, como nós vamos ficar com 85% da reserva? Estes números não batem, alguém está mentindo nesta história", disse à reportagem o petroleiro e dirigente sindical Emanuel Cancella, petista há quase 30 anos no Rio que deixou o partido na véspera do leilão. Indignado, o petroleiro escreveu um artigo logo após o dia em que foi sufocado por muito gás lacrimogêneo e se livrou de balas de borracha disparadas fartamente pela Força Nacional de Segurança contra manifestantes na avenida Lúcio Costa, na orla da Barra. "Para entender o leilão de Libra: você descobre um tesouro no terreno de sua casa, mas como você é muito bonzinho, doa mais da metade do tesouro, 60%, para vizinhos ricos. E também, como você não consultou o restante de sua família, dona Dilma não consultou os brasileiros para fazer essa doação. E a presidenta em rede nacional diz para os brasileiros que fez um excelente negócio.", assinalou. A preocupação do governo em negar a privatização tem ainda forte componente eleitoral: a cúpula petista sabe o estrago que podem causar em 2014 as imagens de Dilma nas eleições passadas, afirmando que privatizar o pré-sal seria um crime, confrontadas com o largo uso de tropas do Exército, da Força Nacional, bombas e balas de borracha contra quem protestava nas imediações do hotel em que se realizava o leilão. Protestava, portanto, para tentar impedir que acontecesse justamente o que ela mesma qualificara de “crime” três anos atrás. Em 2010, Dilma apareceu no horário eleitoral acusando o então candidato e concorrente José Serra, do PSDB, de defender a privatização da Petrobras e do pré-sal. Ela disse literalmente o seguinte: "Desde já eu afirmo a minha posição: é um crime alguém privatizar a Petrobras ou o pré-sal. Isso seria um crime contra o Brasil, porque o pré-sal é nosso, é o nosso grande passaporte para o futuro" - as imagens estão disponíveis nas redes sociais, basta fazer a busca 'Dilma e o pré-sal "no You Tube. Petrobras pode nem ser a operadora Para o economista e também petroleiro André Bucaresky, os cálculos do impacto financeiro da exploração de um campo de reservas de petróleo são complexos, mas não há argumentos capazes de sustentar que não houve privatização." É uma fortuna gigante indo para fora do país ", afirmou - o valor de Libra, em óleo in natura, está avaliado em até R$ 1,5 trilhão, sem se considerar o valor agregado. E lembrou outro aspecto pouco divulgado: cerca de" 40% da Petrobras é de capital estrangeiro ". Dirigente do sindicato da categoria no Rio (Sindipetro-RJ), Bucaresky observou ainda que até mesmo a previsão legal de que a Petrobras seja a operadora de Libra pode se constituir numa farsa - isto é, não há garantias de que a estatal seja a única empresa que de fato atuará na exploração, ficando as demais restritas à áreas de investimentos e lucros." A Petrobras é a operadora em tese ", disse. Como, em tese, é a operadora do campo de Lula, o maior em atividade hoje no Brasil, também na Bacia de Santos, mas, na prática, operado pela japonesa Modec, para quem a Petrobras terceiriza o serviço. Em um consórcio no qual a estatal brasileira é minoritária e possui duas gigantes europeias como sócias, avaliou Bucaresky, as chances de também em Libra a Petrobras ser a operadora só na teoria são ainda maiores. Luta Fenajufe Notícias Por Hélcio Duarte Filho Quarta-feira, 23 de outubro de